sábado, 13 de agosto de 2011

Percepção ->Linguagem->Filosofia->Física (parte 1)

Sou um físico que como muitos outros, tem uma inclinação a filosofia. As interações entre essas duas disciplinas me fascinam... e nos últimos anos surgiu uma interação maior entre físicos e filósofos. Isso porque historicamente, as pistas para nova teorias sempre vinham de experimentos. Mas para fazer experimentos que pudessem testar as teorias modernas precisaríamos aceleradores de partículas muito maiores que a Terra. Por isso, alguns cientistas estão partindo de pistas filosóficas para tentar chegar a uma teoria que explique o que não entendemos em um todo coerente.

Existe um debate de uma questão de origem filosófica que dura milênios, e que recentemente ganhou mais importância dentro do meio físico.Há muito tempo, a humanidade estuda o movimento das coisas. Tudo tinha um estado de movimento que podia ser observado diretamente, com os olhos. Parado; movendo-se rápido; movendo-se devagar...

Mas então olhou-se para o céu, e viu-se que a Terra estava se movendo, orbitando o Sol. E que na verdade o Sol também se movia em relação ao centro da galáxia. E que o centro da galáxia se movia em relação ao centro das outras galáxias. Mas então, se tudo tem movimento, será que seria possível saber  qual nosso estado de movimento?

Mas na verdade, movimento em relação ao que? Ao espaço vazio? Se o espaço vazio é invisível, como poderíamos descobrir nossa velocidade em relação a ele? Se todos os corpos no universo que poderiam servir como referência para medir a velocidade estão se movendo um em relação ao outro, será que faz sentido perguntar-se esse tipo de coisa?

A própria natureza parece indecisa quanto a isso. Por um lado, aparentemente, velocidades absolutas em relação ao espaço vazio, se existirem, não tem a menor importância para a física. Isso porque toda as leis  são as mesmas independente da sua velocidade, contato que ela seja constante no tempo! Isso quer dizer que se um conjunto de leis físicas {X} valem para um referencial, esse mesmo conjunto vale para um outro referencial que se move com velocidade constante em relação ao primeiro. Por exemplo, se O e O' são dois referenciais que tem velocidade constante um em relação ao outro, o comportamento da natureza é o mesmo para ambos: maças levam o mesmo tempo para cair nos dois referenciais, feixes de luz seguem linhas retas, e etc.

Porém tudo muda quando a aceleração entra em jogo. Quando um referencial tem uma velocidade em relação ao outro que não é constante no tempo, as leis da física parecem mudar! Imagine um carro com um pêndulo pendurado.
Imagine que você está ai dentro e que todas as janelas estão fechadas. Imagine também que você não foi informado que está dentro de um carro. Se ele estiver a uma velocidade constante em relação ao chão, você nunca saberia dizer se estava parado ou em movimento. Simplesmente não há pistas. A lei da inércia diz que corpos em repouso permanecem em repouso eternamente, a não ser que uma força os faça entrar em movimento. Em particular, a bola pendurada no pêndulo permanece em repouso para sempre. Agora considere que o carro está acelerando em relação ao chão


O que aconteceu com a lei da inércia? O que fez a bola se mover? Para uma pessoa dentro do carro, que não sabe que está dentro do carro, a lei da inércia parece ter sido quebrada: um corpo inicialmente em repouso se deslocou em resposta a uma força misteriosa. 

Mas na verdade, para quem está do lado de fora, tudo faz total sentido. O carro acelerou em relação ao chão e a tendência da bola é permancer parada até que o teto do carro puxe a corda do pêndulo. Enquanto a velocidade da bola não seja igual a do carro, essa inclinação vai existir. Então nesse referencial fora do carro, a lei da inércia vale, e ela é na verdade o próprio motivo da inclinação. A força misteriosa do referencial dentro do carro é fictícia: a bola está parada e o próprio carro é que acelera na direção oposta. E o observador de fora do carro tem certeza do que diz. Porque ele também pode ter um pendulo fixo ao chão que está na posição ordinária:


Então ele sabe que não está acelerando,e a simetria da situação é quebrada. O observador de dentro do carro não pode afirmar que está em repouso e que todo o chão está acelerando porque o segundo pêndulo não tem inclinação. ( Na verdade, seu pêndulo poderia apresentar uma pequena inclinação, já que a própria Terra tem uma aceleração que medimos em relação ao Sol, ou á galáxia, ou ''estrelas distantes que parecem fixas'')

A aparente conclusão do debate acima, tirada por Newton, é que o espaço absoluto tem que existir. Embora o fato de que velocidades em relação ao espaço vazio sejam indetectáveis, o espaço absoluto deve existir porque acelerações em relação a ele podem ser detectadas por forças fictícias (aparentes desvios da lei da inércia), como as mostradas nas figuras acima.

Em suma, quer saber se você tem aceleração? Construa um pêndulo ou qualquer outra aparato que meça forças fictícias. Quer saber sua velocidade? Não há como responder essa pergunta.

Mas algumas pessoas discordavam radicalmente da conclusão de Newton. Para eles, o conceito de movimento em relação ao espaço vazio era absurdo, porque não podia ser observado. O que era observado eram tão somente as forças fictícias. A lei da inércia de Newton diz que um corpo em repouso em relação ao espaço vazio permanecerá em repouso eternamente a não ser que uma força o faça entrar em movimento.


Mas movimento (invísivel) em relação ao espaço  parece ser uma idéia um tanto mística. Para os rivais de Newton, a física devia ser uma ciência que contivesse em sua formulação somente elementos observáveis e fizesse predições testáveis. Todo o resto é questão de filosofia ou fé, que foge totalmente ao interesse da física. Essa corrente filosófica denominada positivismo afirmava que a função da ciência era tão somente explicar os dados experimentais com teorias coerentes e livre de contradições. Qualquer extraploação disso  seria filosofia vã.

 
 Mach: um dos maiores positivistas


Assim, se seguirmos os preceitos positivistas, teremos que reformular a lei da inércia. Pois ela em sua forma original contém elementos não observáveis (movimento em relação ao espaço vazio) e portanto acreditar nela seria de fato um ato de fé. Para os positivistas, faz mais sentido descrever o movimento de todo e qualquer corpo no universo usando um outro corpo como referencial. Movimentos relativos entre dois corpos são observavéis. E portanto a lei da inércia deveria surgir a partir de uma interação a princípio desconhecida entre todos os corpos do universo. Que interação seria essa?