quinta-feira, 28 de abril de 2011

A geometria do espaço tempo

No post passado informei um fato, o de que o tempo não passa igual para os dois irmãos gêmeos quando um deles se movimenta em relação ao outro. A estranheza que a dilatação do tempo gera é perfeitamente natural, e levou a uma revolução na física que derrubou conceitos clássicos creditados como verdadeiros por séculos. A história que leva à descoberta da relatividade é longa e cheia de detalhes. Não vou tocar nesse assunto, muito embora a abordagem histórica seja importante.

Meu objetivo é mostrar a beleza da descrição do universo dada pela teoria da relatividade. Mas para entender tudo isso, precisamos divagar um pouco em outros assuntos. O caminho é um pouco longo (para um blog), mas espero escrever de uma forma clara o suficiente para que todos possam ao final perceber a simplicidade da teoria. Um post somente é muito pouco para atingir esse objetivo, por isso não vou exatamete explicar a relatividade agora, mas abrirei o caminho para isso. Comecemos.

Esqueça a dilatação do tempo por um segundo e reflita. Referenciais diferentes descrevem o universo de formas diferentes. Diferentes, mas coerentes. O que isso quer dizer? Se você estiver numa casa e olhar para cima, provavelmente irá ver um teto. Mas se você estiver no teto, o espaço acima de você será o céu. O universo é diferente para esses observadores? Não é diferente, mas é descrito de forma diferente! Enquanto para o primeiro o teto faz parte do espaço "acima", para o segundo faz parte do espaço "abaixo". Mas se a primeira pessoa souber que a segunda está acima do teto, ele saberá também que a segunda descreverá o teto como parte do espaço "abaixo" para ela. Ou seja, as duas descrições do universo não são iguais mas também não são independentes. Se B está acima de A, e C está acima de B, C está acima de A. As descrições são diferentes para diferentes referencias. O espaço é um só.  Esse parágrafo é importante. Voltaremos a ele em outras ocasiões.

Vamos tornar as coisas mais matemáticas. Imagine que você está numa sala com uma régua. Você marca um ponto na sala e o chama de origem. Com cada uma das réguas, a partir da origem, vamos marcar a posição dos pontos no espaço como mostra a figura.  A cada ponto do espaço na sala corresponde um trio de números. Vamos chamar um dos ponto de P. P tem coordenadas (x,y,z).



 Agora imagine um segundo referencial O´, rotacionado em relação ao primeiro. Isso seria equivalente a usar 3 novas réguas para medir distâncias usando uma orientação diferente em relação às 3 primeiras, como mostra a figura. Com esse referencial, também podemos mapear todo o espaço da sala com um trio de números.


O ponto P tem, nesse referencial, coordenadas (x´,y´,z´), que não são iguais aos (x,y,z) anteriores. A descrição dos diversos pontos do espaço muda com a orientação relativa dos dois referenciais. O trio de números assinalados ao ponto P não é o mesmo para os dois referenciais.  

Agora note uma coisa importante. Pouco importa como você orienta as réguas para dar posições aos diversos pontos. A distância entre o ponto P e qualquer outro dentro da sala não muda com sua descrição do espaço. Ou seja, o fato da lâmpada estar perto ou longe da porta não tem nada haver com o referencial que você escolhe para mapear os diversos pontos. O referencial é uma mera abstração matemática que associa a cada ponto 3 números.

Assim, as relações geométricas no espaço da sala não dependem da forma como as expressamos! Tanto faz se usamos as réguas com uma orientação ou outra, ou se marcamos a origem num ponto ou outro. Se calcularmos a distância entre dois pontos usando coordenadas (x,y,z) ou (x',y',z') o resultado será o mesmo.Se chegarmos a conclusão, por exemplo, de que as paredes são paralelas num referencial, também devemos chegar a mesma conclusão usando qualquer outro referencial. O espaço da sala e suas relações geométricas são únicos, muito embora a descrição depdenda do referencial.

Em linguagem matemática: como a origem dos dois referenciais coincide, a soma x²+y²+z² ( que é a distância de P à origem) é igual à soma x'²+y'²+z'². Assim, embora a descrição da posição do ponto P mude de acordo com o referencial, há uma grandeza que é sempre invariante (a distância entre dois pontos). A necessidade da igualdade da distância nos dois referencias assegura a coerência entre as 2 descrições.

Isso é geometria. O que a geometria poderia ter haver com a dilatação do tempo?

Na teoria da relatividade assumimos que todos os eventos que acontecem no universo acontecem em algum lugar do espaço e em algum instante de tempo. Por exemplo, um desses eventos seria você lendo esse texto. O local desse evento é em frente ao computador, e o tempo exatamente agora. Por exemplo:

Evento: queda de um lápis no chão.
Local: local no chão onde o lápis caiu.
Tempo: 1 hora atrás.

Vimos no parágrafo passado como podemos localizar qualquer ponto do espaço com um trio de números (as coordenadas x,y,z de um sistema cartesiano, por exemplo). Logo, podemos então, em princípio, localizar todos os eventos do universo com 4 coordenadas: 3 para a posição, e 1 para o tempo em que o evento ocorreu. Vamos então dar o nome  do conjunto de todos os eventos do universo de espaço-tempo. Esse nome vem do fato de que a cada evento podemos associar coordenadas espaciais e temporais. Note a semelhança com os referenciais geometricos do exemplo da sala. A diferença aqui é que além do espaço, localizamos os pontos também no tempo.

Assim, voltando ao exemplo da sala, imagine que um referencial "A" tem além de réguas, um relógio preciso. A tudo que acontece na sala "A" associa 4 números, 3 para a posição e 1 para o tempo. No entanto, seu referencial não é único. Seja "B" um referencial que se move em relação a "A" com velocidade constante 


"B" também pode associar a cada evento uma posição (x´,y´,z´) e um tempo (t´) dado pelo seu próprio relógio. Vamos imaginar que "A" e "B" analisam dois eventos na sala.Cada um mapeia esses eventos no espaço e no tempo de acordo com o seu sistema de coordenadas próprio (réguas e relógio).

     1º evento           2ºevento
A-> (xo,yo,zo,to)        (x,y,z,t)
B-> (xo´,yo´,zo´,to´)    (x´,y´,z´,t´)

Pois bem, dadas essas condições, aparece uma surpresa. Se "A" e "B" usarem cada um os quartetos de números que acharam em seus referenciais e calcularem a expressão

(x-xo)²+(y-yo)²+(z-zo)²-c²(t-to)²  ( expressão que A calcula usando seu referencial)

(x'-xo')²+(y'-yo')²+(z'-zo')²-c²(t'-to')²  (expressão que B calcula usando seu referencial)

onde c é aproximadamente o número 300000000, essa quantidade é a mesma para os dois referenciais! Isso vale para quaisquer dois eventos analisados por A e B.

Por que ? Porque todos os experimentos confirmam isso. Isso é algo que sempre se observa. É mais um fato, como o fato da Terra ser redonda ou de uma maça cair da sua mão se você a soltar. Essa quantidade que cada referencial pode calcular recebe o nome especial de ''intervalo espaço-temporal''. Portanto, resumindo, o intervalo espaço-temporal calculado por A e B é sempre o mesmo para quaisquer dois eventos.

As implicações desse fato são tremendas.

1) Por exemplo, suponha que uma bola está rolando dentro da sala. Ela começa no meio de uma parede e segue em linha reta com velocidade constante até o meio da parede oposta. Digamos que o referencial A está parado no ponto onde a bola começa o trajeto. Suponhamos que B seja a própria bola, com um relógio preso a ela. Para calcular o intervalo espaço temporal, precisamos de dois eventos. Vamos escolher
como o primeiro evento  aquele que ocorre quando A solta a bola do meio de uma parede, e como segundo evento aquele quando a bola toca o meio da parede oposta (ou seja, o final do trajeto).
"A" assinala a ao primeiro evento coordenadas xo=0 yo=0 zo=0 e um tempo to=0 (ele começa a cronometrar o tempo a partir do instante em que solta a bola) . Para o evento da bola tocando o meio da parede oposta, A assinala y=5 metros x=0 z=0 e um certo tempo t.

Já no referencial da bola, B, o primeiro evento também recebe coordenadas xo'=0 yo'=0 zo'=0 e to'=0. Para o segundo evento, a bola tocando a parede, o referencial da bola associa como coordenadas espaciais x=0 y=0 z=0 ( para o referencial da bola, o evento de tocar a parede acontece na própria origem).


Mas se o intervalo espaço-temporal é invariante:

(x-xo)²+(y-yo)²+(z-zo)²-c²(t-to)²=(x'-xo')²+(y'-yo')²+(z'-zo')²-c²(t'-to')²  

(lembre-se que c é um número aproximadamente igual a  300000000).

A conclusão é que A e B discordam sobre o tempo que a bola leva para percorrer seu trajeto até tocar a parede. É só substituir os valores:

(0-0)²+(5-0)²+(0-0)²-c²t²=(0-0)²+(0-0)²+(0-0)²-c²(t')² 

t'=t-(5²/c²)

Essa fórmula permite calcular exatamente essa diferença de tempo, inclusive! Mágica? Porque isso é verdade? E por que o número 300000000 é especial? (Uma observação, note que c tem que ter unidades de comprimento/tempo para que possamos somar quantidades com a mesma dimensão na expressão do intervalo espaço-temporal). Por que ninguém nunca notou isso? Como expliquei no post anterior, isso se deve ao fato de que relógios ultra precisos não são comuns. Note que c é um número muito grande. A diferença de tempo calculado nesse exemplo é de 25/c² que é de aproximadamente 0,00000000000000027 segundos. 

O fato de x²+y²+z²-(ct)² não depender do referencial usado para calculá-lo explica muitas coisas. Inclusive a diferença de idade dos irmãos gêmeos no post anterior. Mas e o que explica a igualdade entre os intervalos espaço-temporais? Veja que só mudamos a pergunta. E mais uma surpresa, c é exatamente igual à velocidade da luz. O que a luz tem haver com isso? Isso fica para os próximos posts. A definição dessas novas perguntas irá facilitar nosso caminho para a relatividade.

2)Agora um ponto muito importante. Antes havíamos usado 2 sistemas de referência para descrever o espaço numa sala. Ali, a ''distância'' entre quaisquer 2 pontos era invariante, não importando que referenciais usássemos. Isso garantia que, embora as descrições do espaço fossem diferentes nos diferentes referenciais, houvesse uma coerência entre essas descrições.

Aqui, estamos mapeando não o espaço, e sim o espaço-tempo ( conjunto de eventos). Aqui também podem haver referenciais diferentes para descrever o mesmo espaço-tempo, por exemplo, A e B que tem uma velocidade relativa constante um em relação ao outro. Mas encontramos o análogo no espaço-tempo do que é a distância para o espaço: o intervalo espaço-temporal,  é uma quantidade que pode ser calculada
usando-se qualquer referencial, mas que seu valor no entanto não depende do referencial que usamos. Assim, embora referenciais discordem de quando e onde os eventos no universo ocorreram, o intervalo espaço-temporal calculado por eles é sempre o mesmo. Será que poderíamos ir adiante e criar uma geometria do espaço-tempo?

Sim. Essa é a teoria da relatividade.

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Se eu posso usar o tempo como uma coordenada ,tem como eu usar ele na geometria analitica?
    Está muito bom o blog ^^

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  3. Quase! Qual a diferença fundamental entre a noção de distância na geometria analítica, e seu análogo, o intervalo espaço-temporal na relatividade?

    d= (x-xo)²+(y-yo)²+(z-z0)² -> distância entre dois pontos: geometria euclidiana

    intervalo= d -c²(t-to)² -> intervalo entre dois eventos: geometria da relatividade especial

    O que diferencia a relatividade especial de uma geometria euclidiana de 4 dimensões espaciais é o sinal de menos na coordenada do tempo. A constante c não é tão importante: podemos usar unidades onde c=1( ou seja medir o tempo em unidades de comprimento percorridas pela luz nesse tempo).
    Daniel

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  4. hmm,agora deu vontade de criar uma geometria que envolvesse isso para aplicar em questões xD,brigado pela resposta o/

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  5. Eu sugiro que você tente, e que depois me diga os resultados ;)

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  6. Parabéns amigo ótimo post, me ajudou muito.

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