quinta-feira, 4 de abril de 2013

Ciência e religião: quem é o dono da verdade?

Ciência e religião são como água e óleo, e dão origem a debates muito acalorados. Os religiosos (ou boa parte deles) clamam que sua ideologia carrega não só princípios morais universais, mas também a verdadeira história do universo e da humanidade. Deus é algo parecido a uma pessoa, que criou e deu ordem  ao universo. Os cientistas por outro lado parecem ter sua própria versão da história e da verdade. ''Temos que estar certos'' dizem eles, mostrando que diferentemente de rezas, televisões, aviões e computadores sempre funcionam. Afinal quem é o dono da verdade? O mundo foi criado por um ser consciente? Ou tudo que existe e acontece não passa de um conjunto de coisas tão espontâneas quanto a queda de uma maçã? Qual a verdadeira história de todas as coisas?

Boa parte desses debates é completamente ingênuo e sem sentido, e nesse post vou desfazer boa parte da confusão que existe na cabeça da maioria da população ( e até entre alguns cientistas!). Quem toma partido num debate sobre se ciência ou religião são os verdadeiros donos da verdade não conhece ciência, porque a ciência não busca a verdade! Como assim?

Primeiro o que é a verdade afinal? Uma rápida pesquisa no wikipedia revela pelo menos 15 sentidos para a palavra ''verdade''. http://en.wikipedia.org/wiki/Truth . Mas vamos simplificar a discussão.
Se A=>B e B=>C a expressão A=>C é necessariamente verdadeira. Essas é uma verdade linguística, verdade óbvia que foi obtida a partir da veracidade de A=>B e B=>C. Isso quer dizer que pouco importa o que possa vir  ser A,B ou C, se eles estiverem organizados como na forma acima, A=>C é sempre verdadeiro. Em particular, A,B e C podem ser frases que se referem ao mundo físico, ao mundo das coisas que existem! Por exemplo a frase:

(i) ''Você está acessando a internet agora''. 

é necessariamente verdadeira se

(ii) '' são 13:45'' e (iii) ''todo dia, as 13:45 você acessa a internet'' forem frases verdadeiras! Esse é um caso particular da construção A=>B, B=>C, A=>C.  Se as duas premissas são conhecidas como verdadeiras, todos, incluindo cientistas e religiosos irão concordar que ''você está acessando a internet agora'' é verdade.

Ok. Agora nem toda frase é consequência lógica de premissas. Seria possível classificar de forma única uma frase como ''Deus criou a Terra em 7 dias'' como verdadeira ou falsa? A resposta é não.  Se você dá um significado claro para ''Deus criou a Terra em 7 dias'' você pode tomar isso como premissa e buscar  por exemplo as consequências lógicas. O cientista ingênuo iria responder: ''Isso é absurdo. Existem fortes evidências de que o processo de aparecimento da Terra durou bilhões de anos''. Ao que o religioso responde ''evidências não provam nada, apenas sugerem. E a verdade é que elas sugerem algo que não é verdadeiro.'' Essa discussão simplesmente não tem solução única, ou óbvia.

Um outro exemplo é um ser humano muito independente que clama que ''pedras falam, mas não podemos ouvi-las''. Nesse caso podemos mostrar a ele todas as evidências de que pedras não falam, mas evidências não podem provar nada logicamente, no máximo sugerir. Não haver evidências de que pedras não falam não implica logicamente que pedras não falam. Não é como A=>B, B=>C, A=>C.

O que acontece é que a ciência não está em busca da verdade absoluta, mas da verdade observável. O cientista toma como verdade aquilo que as evidências sugerem apenas para derivar as consequências lógicas disso. No fundo ele não precisa crer que a verdade é aquilo que as evidências sugerem.

O que faz muitos cientistas acreditarem numa verdade absoluta mais profunda por trás de toda ciência são certas coisas que nos deparamos durante o processo de fazer ciência, mas isso é algo muito complexo pra ser exposto agora. Poderia discutir muito mais sobre metafísica, positivismo, religião, física, mas acho que isso já é o bastante para alguém se interessar e procurar mais sobre o assunto.




5 comentários:

  1. Caro Daniel, achei muito interessante seu texto sobre religião e ciência, e como você disse no começo do texto, são como água e óleo, ou seja, não se misturam. Isso ocorre porque ambas partem de princípios diferentes, na ciência não pode haver uma verdade absoluta, pois ela é mutável e pode ser refutada várias vezes. Contudo na religião temos o que chamamos de dogma, onde não preciso ver para crer. Outra grande diferença é que na ciência observamos os fatos para depois tentar achar uma teoria válida para os fatos observados, já na religião eles tentam provar de todas as maneiras suas verdades imutáveis, podendo até distorcer os fatos, Com isso não há validez para uma discussão sobre ciências e religião, pois ambas são campos totalmente diferentes. É claro que um cientista pode ter sua crença, mas isso é um princípio pessoal de cada um, que não pode ser exposto num mundo científico, pois são coisas diferentes. Fico muito decepcionado ao ver grandes escolas ensinando o criacionismo e relevando a evolução, que já é considerado um fato! Enfim, sou cientista e também tenho minha religião, mas sei trabalhar de forma ética, sem tentar influenciar minhas teorias com minha religião. Com certeza esse é um assunto bem polêmico ainda nos dias atuais e que requer um grande trabalho de conscientização na população religiosa e científica.

    Um grande abraço de seu amigo,

    Thiago Silva Teixeira (Big Rider!!!)

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  2. Se liga aew Daniel no que eu encontrei...

    "Como um cientista pode crer em Deus? A resposta de Richard Feynman

    Filho de judeus devotos, o físico norte-americano Richard Feynman era ateu. Mas nem por isso defendia uma incompatibilidade entre ciência e religião, ou achava irracional que um cientista tivesse fé religiosa. Na semana que vem, uma palestra que Feynman deu no California Institute of Technology (Caltech) faz 57 anos. Em "The relation of science and religion", o físico se pergunta como um cientista pode acreditar em Deus, e explica em que bases isso é possível.

    Para defender essa possibilidade, Feynman parte de uma história familiar: a do jovem que, criado em uma família religiosa, começa a estudar ciência e passa a duvidar. E por que isso acontece?, pergunta-se o físico. Ele descarta duas hipóteses iniciais para afirmar que "Uma terceira resposta que poderíamos ter é que esse jovem realmente não entende a ciência corretamente. Não creio que a ciência possa desmentir a existência de Deus. Acho que isso é impossível. E, se é impossível, a crença na ciência e em Deus – um Deus comum, das religiões – não seria uma possibilidade consistente? Sim, é consistente. Apesar de eu ter dito que mais da metade dos cientistas não crê em Deus, muitos outros cientistas creem tanto na ciência quanto em Deus de uma forma perfeitamente consistente. Mas essa consistência, embora possível, não é fácil de alcançar, e eu gostaria de tentar discutir dois pontos: por que não é fácil, e se vale a pena tentar alcançá-la". O que chama a atenção nesse trecho é que Feynman discorda da noção de que a ciência conduz inevitavelmente ao ateísmo.

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  3. A chave que abre espaço para a crença em Deus, explicará Feynman, é a incerteza. Ela é fundamental para a ciência, e é o que impulsiona a pesquisa científica. "Para progredir no conhecimento precisamos permanecer humildes e admitir que não sabemos. Nada está certo ou comprovado para além de qualquer dúvida. Você pesquisa por curiosidade, porque é desconhecido, não porque você já sabe a resposta." Feynman defende que tenhamos isso em mente não apenas na ciência, mas em diversos outros aspectos da vida.

    Como isso se aplica à crença em Deus? Feynman retorna ao caso do jovem cientista e afirma que, quando se incorpora a mentalidade da incerteza, a pergunta muda de "Deus existe" para "Quão certo é que exista um Deus?" Falando dos cientistas que têm fé, Feynman afirma: "Se eles são coerentes com sua ciência, acho que eles dizem a si mesmos algo como 'Estou quase certo de que existe um Deus. A dúvida é mínima'. Isso é bem diferente de dizer 'Eu sei que Deus existe'. Eu não acredito que um cientista seja capaz de chegar a esse ponto – essa compreensão realmente religiosa, esse conhecimento real de que existe um Deus –, a essa certeza absoluta que as pessoas religiosas têm".

    Vale a pena ler todo o resto da palestra. Nele, Feynman trata da alegada irracionalidade da crença em Deus, do caráter anticientífico do socialismo, e da relação entre a ciência e os aspectos metafísico, moral e inspiracional da religião, entre outros temas. Mas eu queria ficar aqui na distinção que o físico traça entre a "maneira como o cientista crê" e a "maneira como o não cientista crê".

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  4. Os dicionários (inclusive dicionários de Teologia) registram a expressão "fé do carvoeiro" como sinônimo de fé cega, inquestionável, sem fundamentos. Difícil saber quanta gente de fé hoje crê dessa maneira (mas, isso é minha opinião pessoal, tal fé também tem valor, especialmente entre quem não tem a possibilidade de se aprofundar naquilo em que crê). Mas, entre aqueles que têm a chance de estudar pelo menos um pouco sobre sua religião, acho que a dúvida é um fator que sempre faz parte do jogo, independentemente de a pessoa ser cientista ou não. Não sei se, ao falar de "certeza absoluta que as pessoas religiosas têm", Feynman se referia à tal "fé do carvoeiro" ou de algum outro tipo de certeza mais fundamentada, como por exemplo a certeza filosófica (que um cientificista abominaria, como bem sabemos). Mas não me parece que haja tanta diferença assim entre a maneira como o cientista crê em Deus e a maneira como as demais pessoas o fazem. Eu agradeceria se os leitores que são crentes e cientistas pudessem contar um pouco sobre sua experiência pessoal.

    Muito tempo atrás li um ótimo texto sobre como a dúvida é parte integrante da fé. Pena que não guardei a referência. Até tentei uma busca enquanto escrevia esse post, mas não achei o artigo que eu tinha lido. Mas, em vez disso, apareceram algumas contribuições interessantes, como as de Philip Yancey, Ray Pritchard, Doug Gibson e William Lane Craig.

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